c o  m o   mo v e r  u m  pe d a ç o   d e   s al 
p o d e   mo v e r   o   t e m p o ?



para andreia yonashiro, bárbara malavoglia, marion hesser:



cheguei no escuro. 
minhas irmãs dormiam ao meu lado, uma em cada janela. 
meus pais em movimentos rápidos tiravam as malas, comidas, cobertores do carro. 
eu em silêncio, fingia dormir, mas era impossível. 
eu esperava há muito por esse momento, esse primeiro encontro.
pela garagem eu podia ouvir a sua força, do lado de lá.
fui levada para cama no colo, como era de costume. 
quando a casa  toda silenciou, peguei o banquinho da cozinha, 
encostei na parede do quarto, subi devagarzinho. 
alcancei a janela. 
com força e jeitinho, consegui abrir. 
senti o vento. 
medo, excitação, amor, susto. 
olhei pra baixo. 
eu vi. ele estava lá. 
sempre esteve.
sempre estará.
não sei quanto tempo a gente se olhou.
deitei no colchão quando as pernas e os olhos cansaram.
mas com a janela aberta, deixei entrar a sua música, seu canto, sua força.
iniciação.
eu tinha cinco anos.
ele, a eternidade. 

santos, 1987.






"mamãe, o mar é um coração que não para de bater"

amora, 05 anos.

saco do mamanguá, 2018.







(( para Robinet, os fósseis são pedaços de vida, esboços de orgãos que encontrarão sua vida coerente no ápice de uma evolução que prepara o homem.  poderíamos dizer que interiormente o homem é um acúmulo de conchas. cada orgão tem sua casualidade formal própria, já testada em algum molusco nos longos séculos em que a natureza estava aprendendo a fazer o homem. a função constrói sua forma sobre antigos modelos, a vida parcial constrói sua morada como o molusco constrói a concha. toda forma guarda uma vida. o fóssil já não é simplesmente um ser que viveu, é um ser que vive ainda, adormecido em sua forma. a concha é o exemplo mais manifesto de uma vida universal formada em conchas.

...

as conchas, como os fósseis, também são tentativas da natureza para preparar as formas das diferentes partes do corpo humano, são pedaços de homem, pedaços de mulher. robinet dá uma descrição da concha de vênus que representa a vulva de uma mulher.))  

“a poética do espaço; gaston bachelard
cáp. 05 “a concha"


são paulo, 
27 de julho 2018.